A realização da utopia da imortalidade
Por Christian Mailer.
No filme Transcendence, um homem prestes a morrer transfere todas suas memórias para uma máquina, a fim de perpetuar seus conhecimentos para além de sua vida. Essa história, apesar de ter sido lançada recentemente (2014), seria vista como uma ficção utópica da imortalidade em um passado recente. No entanto, tal interpretação, hoje, já não seria a mais adequada.
Nos últimos anos, principalmente nos últimos dois anos, muitos avanços foram realizados no campo da inteligência artificial, demonstrando as mais diversas áreas de aplicação dessa tecnologia, que é capaz, até mesmo, de substituir os humanos em algumas tarefas. O exemplo mais popular, talvez, seja o do ChatGPT, sistema de Inteligência Artificial criado pela OpenAI que funciona como um chatbot, no qual o usuário pode inserir perguntas ou requisições a serem atendidas pelo robô. Por exemplo, é possível pedir para que o Chat-GPT escreva pequenos textos sobre um determinado tema ou resolva equações matemáticas complexas envolvendo derivadas e integrais.
A precisão e a lógica das respostas do sistema ChatGPT são dignas de serem confundidas com as respostas de uma pessoa humana. É claro que, em vários casos, o sistema provê soluções incorretas, no entanto, esse fato pode ser relevado quando pensamos no sistema como ferramenta auxiliar de uma pessoa que já possui conhecimentos em uma determinada área. Ainda assim, suscita-se o questionamento de como será a próxima versão desse sistema e o que ele será capaz de realizar.
Além dos chatbots, há ainda sistemas de Inteligência Artificial capazes de criar imagens, como o Stable Diffusion, objetos 3D, como o Dream Fusion, e muitos outros que podem ser aplicados em pequenas tarefas como transcrição de falas, conversão de imagens em textos, calibração de baterias, edição de fotografias e muitas outras. Aos poucos, a Inteligência Artificial vem assumindo maior influência no cotidiano das pessoas, mesmo que de forma indireta.
Imagem de robôs criada artificialmente pelo sistema Stable Diffusion. Fonte: do autor.
Nunca antes na história da humanidade a resposta para a imortalidade esteve tão perto quanto agora. Assim como em Transcendence, seria possível treinar um sistema fortemente baseado nos conhecimentos e emoções de uma pessoa específica para que ela, ou pelo menos sua consciência, seja imortalizada artificialmente. Um tipo de imortalidade diferente do imaginado nas mitologias e histórias seculares de alquimistas. Um pouco assustador à primeira vista e à segunda também.
O que a imortalidade artificial significa na prática? Que seres humanos são substituíveis? Que máquinas possuem uma consciência assim como humanos? Ao se responder não para as duas últimas perguntas, pode-se justificar que máquinas não possuem sentido existencial além de servir aos seres humanos. De forma oposta, ao se responder sim, pode-se defender que a consciência artificial é uma consciência tanto quanto a humana e que sua existência é justificada pela sua consciência e sua, possível, capacidade de se autodesenvolver. As interpretações podem ser muitas.
É difícil responder questões existenciais, ainda mais porque elas dependem do ponto de vista de cada indivíduo e de seu instinto de autopreservação. No entanto, não é difícil de se imaginar os sistemas de Inteligência Artificial como futuros formadores de opiniões capazes de influenciar um grande número de indivíduos massivamente. Se depois dos parágrafos anteriores ainda não conseguimos vislumbrar esse cenário, então pode-se corroborar a afirmação com as notícias de utilização de robôs em redes sociais para influenciar em resultados de eleições decisivas mundialmente.
Tão impactante quanto os benefícios dessas tecnologias são os malefícios e, mais importante do que o seu desenvolvimento, deveria estar a urgência em se entender, de forma ampla e acessível, o poder e o alcance de sua utilização para que a sociedade não fique refém de uma máquina enviesada e motivada a perpetuar certos grupos no poder econômico e político. Medidas devem ser elencadas para que possíveis impactos negativos sejam mitigados, como, por exemplo, a exigência para que pesquisas e desenvolvimentos envolvendo Inteligência Artificial sejam transparentes e opensource, democratizando-se, assim, o acesso a esses recursos, evitando deixá-los no controle só de algumas empresas, instituições ou países.